domingo, 12 de dezembro de 2010

Retrato

Não era mais que papel. A lembrança toda no fechar dos olhos. A saudade, o gosto... O retrato, não mais que papel...

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Um amante ideal

João amava Maria, não apenas naquilo que ela parecia ser. João amava Maria com a devoção de quem ama o que não é aparente. Maria, por sua vez, não amava João, mas nele parasitava, contente da idéia de tê-lo à vista, controlando-lhe a distância e regulando a tensão das vontades do amante.


Assim, Maria engenhava o homem perfeito, forjado a beijos frios e carinhos sem trocas de olhares. João continuava a amar Maria, mas consciente de que suas dores de solidão sustinham a amada, cravou em si, no centro do peito um punhal. Maria parasitada em João caiu morta em seu colo, não sem antes dizer-lhe a última palavra: desgraçado!


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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Um amor primordial


Em meio a tantos objetos rasgados os corpos dos amantes repousados a meia luz da tarde. Passados minutos; permanecia o eco de suspiros e gozo expelidos como tiro de misericórdia da boca da donzela. O êxtase dissimulado rasgara as carnes do amante que, sem sonhar tamanha cobardia, ria. Pairava, na atmosfera do quarto, um sorriso infantil a velar o sono do príncipe encantado.

domingo, 25 de julho de 2010

Ícaro

Ele não queria voar, nunca desejou tocar o sol... o que ele gostava mesmo era de despencar, hábito que aprendeu observando a Jaqueira que existia nos fundos de sua casa.


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Crise de Personalidade

Na tarde daquele dia trancou-se em um aposento. Olhando-se pelo reflexo no espelho, como um artesão cortou a pele do rosto de modo que sua face se desprendesse do crânio. Ao concluir o recorte retirou de si, com uma das mãos, a máscara. Para sua surpresa, um rosto novo, idêntico ao anterior surgiu no lugar do antigo , nada de carne, nada de sangue. A cada tentativa um novo rosto, os mesmos traços, as mesmas medidas.

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quarta-feira, 21 de julho de 2010

ERA

Havia um tempo em que nos era permitido apenas amar, a felicidade, companheira inconveniente a nos perturbar com suas borboletas... Mas, em certo instante, um enfado tão grande tomou os corações humanos, haviam inventado a tristeza. Foi desta maneira, para nossa sorte, que a vida passou a ter sentido expresso no objetivo comum de todo homem (a felicidade enfim ganhara razão de ser).

O Éden já não existia...

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quinta-feira, 25 de março de 2010

Caso Doméstico

Começou cortando o braço esquerdo. Depois, membro a membro, serrados com suor e dedicação. Por fim, na cabeça da esposa, a boca ainda reclamava contas a pagar, casos extraconjugais, o mundo.

Deu-se conta, haveria de botá-la no refrigerador. Entretanto, a boca incerta de não ter mais vida persistia a falar.

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quinta-feira, 11 de março de 2010

Para nunca mais um amém

Ao cobrir o corpo, sem que abotoasse a camisa de seda, bramindo o último suspiro de gozo, vestiu-se dizendo: “vai-te e não peques mais”.

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Um pedido sincero

Olhando nos olhos perdidos da puta ele disse:
- Diga que me ama quando terminarmos.

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domingo, 7 de março de 2010

Conto em duas partes

Primeira Parte:


IMORTALIDADE


E naqueles dias os homens buscarão

a morte e não a acharão, desejarão

morrer e a morte fugirá deles.

(Apocalipse, I X, 6)


Ele era apenas um garoto. Sonhava todos os dias com a morte. Às vezes ela aparecia de véu e grinalda, outras vezes vinha nua, mas sempre na figura de uma bela mulher. Ora Loira, ora morena, porém sempre bela.

A amava de modo incondicional, como apenas os garotos amam. Até que um dia ela desceu de um sonho e pousou sobre sua cama, tirou o véu, a grinalda. Desposou-o.

Entretanto, como às vezes acontece quando se ama, assim que saciado o desejo coube ao garoto solidão perpétua.

Para o seu azar, tornou-se imortal.


Segunda Parte:


UMA MULHER COMO RECLAMAM OS POETAS


E, pondo-a no meio disseram-lhe:

Mestre, esta mulher foi apanhada,

no próprio ato, adulterando.

(João, VIII, 4)


Todas as noites ela caminha em direção ao enorme baú de carvalho em que repousa o vestido branco, a longa calda, o pálido véu, a grinalda. Cuidadosa, entre adornos, de mais fluída transparência e a mais triste sorriso, veste-se.

Alimentando-se de sonhos, de porta em porta, se entrega às volúpias dos amantes, em seguida abandonados às convulsões.

Impiedosa, chora apenas quando na luz do dia não se pode mais ouvir o clamor: não te rias de mim, meu anjo lindo!


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domingo, 10 de janeiro de 2010

Um conto para além das possibilidades

Num reino distante dos sonhos possíveis havia um jovem ferreiro. Ele era bravo, porem não era o filho perdido de um rei qualquer.


Sua nobreza era poder amar como todos os homens amam; sonhar como sonham os príncipes. Apenas de tristeza vivia, pois sabia que dragões não existiam e que, portanto, estaria condenado ao eterno desapontamento de nascer ferreiro.


Então resolveu sumir...

[...]


Velejou mares;

Escalou montanhas;


Atravessou desertos e a dor de não ser um príncipe perdido, pois, como todos sabem, princesas não amam ferreiros - exceto os que em contos de fada tiveram a sorte de assassinar dragões.


Até que um dia, para surpresa de um homem descrente, surge o inimáginavel... forte, perigoso, enorme em suas asas de demônio.


Mas, o Dragão.

O Dragão era tão lindo.

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(Créditos aos sábios palpites e ajuda pertinente do amigo Luiz Carlos Dias)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Florescer

Na madrugada tudo é som de imagens indistintas. Não há coisa alguma. Nada existe não havendo nome.

Tudo é alheio na madrugada, minhas propriedades são alheias. Eu sou, o meu pensamento.

Na madrugada tudo é som, é cheiro, sombra perpétua. O que cheira mal fede mais na madrugada, um estampido é apenas um tímido cricrilar ensurdecedor. E quando uma luz nos atinge, cega-nos.

Na madrugada os sonhos, como sonhos, são na madrugada. Aquilo que nasce na madrugada tem lá o derradeiro. O florescer é o título fiel, que na ultima linha existe.

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