domingo, 7 de março de 2010

Conto em duas partes

Primeira Parte:


IMORTALIDADE


E naqueles dias os homens buscarão

a morte e não a acharão, desejarão

morrer e a morte fugirá deles.

(Apocalipse, I X, 6)


Ele era apenas um garoto. Sonhava todos os dias com a morte. Às vezes ela aparecia de véu e grinalda, outras vezes vinha nua, mas sempre na figura de uma bela mulher. Ora Loira, ora morena, porém sempre bela.

A amava de modo incondicional, como apenas os garotos amam. Até que um dia ela desceu de um sonho e pousou sobre sua cama, tirou o véu, a grinalda. Desposou-o.

Entretanto, como às vezes acontece quando se ama, assim que saciado o desejo coube ao garoto solidão perpétua.

Para o seu azar, tornou-se imortal.


Segunda Parte:


UMA MULHER COMO RECLAMAM OS POETAS


E, pondo-a no meio disseram-lhe:

Mestre, esta mulher foi apanhada,

no próprio ato, adulterando.

(João, VIII, 4)


Todas as noites ela caminha em direção ao enorme baú de carvalho em que repousa o vestido branco, a longa calda, o pálido véu, a grinalda. Cuidadosa, entre adornos, de mais fluída transparência e a mais triste sorriso, veste-se.

Alimentando-se de sonhos, de porta em porta, se entrega às volúpias dos amantes, em seguida abandonados às convulsões.

Impiedosa, chora apenas quando na luz do dia não se pode mais ouvir o clamor: não te rias de mim, meu anjo lindo!


...pliniopereiradesousa

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